O cinema nacional é valorizado?
- Vanusa Reis
- 23 de set. de 2024
- 7 min de leitura
Atualizado: 24 de set. de 2024
Um panorama sobre o Cinema na visão de espectadores do Brasil e de outros países

Em agosto de 2004, o cinema brasileiro alcançou um marco com a estreia do longa "Olga" produzido por Nexus e GloboFilmes.
O filme retrata a vida de Olga Benário Prestes (1908-1942), ex-esposa de Luís Carlos Prestes. Com direção de Jayme Monjardim e nos papéis principais os atores: Camila Morgado, dando vida à personagem título, e Caco Ciocler, como Luís Carlos Prestes. Contou ainda, com a atuação de Fernanda Montenegro, como dona Leocádia Prestes, sogra de Olga.
"Olga desbancou Cazuza"

Um pouco antes, em junho daquele ano, a história do cantor e compositor Cazuza ganhou as telas do Cinema no Brasil.
O filme "Olga" desbancou "Cazuza" nas bilheterias, pois o longa dirigido por Monjardim levou às salas de cinema do país, em sua semana de estreia, 385.968 espectadores, enquanto a história interpretada por Daniel de Oliveira, sobre o músico que morreu em 1990, em sua semana de lançamento, alcançou o número de 294.194 ingressos vendidos.
Ainda com o sucesso em sua estreia, a crítica internacional pontuou que a trilha sonora de "Olga" era previsível. A produção recebeu crítica de Anita Leocádia Prestes, filha de Olga e Prestes, que na ocasião afirmou:
"Não gostei do trágico final do filme e pelo fato do cineasta não ter trabalhado questões políticas e históricas, e se apegou na vertente que retratou mais o romance entre Olga Benário e Luís Prestes."
Após 2004, com o lançamento de "Olga", muitas produções foram realizadas até os dias atuais e os brasileiros foram presenteados com dramas, documentários, suspenses e comédias, que atualmente, é um dos gêneros cinematográficos mais apreciado por grande parte do público que acompanha o cinema nacional.
A ascensão das comédias nacionais

As comédias nacionais atingem altos números na bilheteria, como foi o caso de "Minha Mãe é uma Peça", lançado no ano de 2013. O longa, de autoria do ator, roteirista e diretor Paulo Gustavo (1978-1921), totalizou 4.600.145 espectadores. O sucesso acompanhou a estreia do segundo filme da franquia, em 2017, com "Minha Mãe é uma peça 2". O filme se tornou o mais visto naquele ano. Arrecadou em torno de R$ 118 milhões, segundo informações do G1, desbancou sem muitos esforços o filme religioso, que também estreou nos cinemas em 2017, "Os Dez Mandamentos". O longa religioso cravou bilheteria em R$ 11.146,00 milhões. Diante desse cenário positivo, surge perguntas:
Por que o cinema no Brasil ainda não é apreciado como deveria? Por que algumas pessoas ainda têm "preconceito" com os filmes nacionais? Essa desvalorização é típica apenas dos brasileiros?
Os espectadores e especialistas respondem
O cinema é um assunto cultural e amplo. Países como França, no Bloco Europeu, e Peru, na América Latina, enfrentaram dificuldades semelhantes ao cinema brasileiro:
"Como levar o público ao cinema em estreias nacionais? Por que o cinema americano ainda "impressiona" com suas produções milionárias?"
Para entender um pouco mais do panorama sobre o cinema nacional, conversei com espectadores de outros países.
França

O cinema nasceu na França com os irmãos Lumière, em 1895, apesar de alguns críticos atribuírem a fundação da Sétima Arte a Thomas Alva Edison, que também foi o inventor da lâmpada incandescente.
Grandes produções francesas sempre marcaram presença no Oscar e em outras premiações mundiais. Os franceses já levaram a estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográfica de Los Angeles em várias categorias ao longo das décadas.
Em 1975, o filme "La Nuit Américaine - A Noite Americana" levou a estatueta de melhor filme estrangeiro;
"La Môme - Piaf - Um Hino ao Amor" ganhou duas estatuetas em 2008, com melhor figurino e melhor atriz pela atuação e caracterização esplêndidas de Marion Cotillard.
Em 2012, o cinema francês mostrou mais uma vez sua criatividade e dominou a noite da 84ª premiação do Oscar, levando as estatuetas de melhor filme com "O Artista - O Artista" e melhor ator com o protagonista do filme vencedor da noite, Jean Dujardin, melhor diretor Michel Hazanivicous, melhor trilha sonora original, e melhor figurino. Esse longa francês inovou, trazendo às telas o cinema mudo novamente, em um contexto da barulhenta Hollywood do século XXI. Com o roteiro atraente do início ao fim, o cinema francês sua imponência na Sétima Arte.
Com um relato desses, é de se duvidar que o público francês não prestigie uma produção nacional, não é mesmo?
"Estive no cinema ano passado pela última vez assistindo a uma produção nacional que se chama Demain (2015). '' Diz a professora francesa Johanna Vieira de Abreu de 37 anos, que reside em La Ferté Sous Jouarre, entrevistada em 2017 para essa reportagem especial
Johanna é professora de música em uma escola do governo francês e relata se sentir causada ao fim do dia, devido à demanda de trabalho. Ao chegar em casa, ela corrige os trabalhos dos alunos e elaborar a aula para o dia seguinte. Como ministra aulas para faixas etárias diferentes, precisa ter conteúdo criativo em mente para prender a atenção dos seus alunos. Esse é um dos motivos que a faz ir pouco ao cinema. Outro motivo que não leva tanto a professora francesa ao cinema é que, em sua visão, o cinema francês "peca" por ser original demais em suas produções e, segundo Abreu, faz com que os filmes fiquem sem sentido. Mas abreu não tem apenas crítica negativa, ela cita seus atores favoritos:
"François Cluzet é o melhor ator francês. Acho que ele transmite muita emoção, parece mesmo verdadeiro o que está representado na tela"
Segundo a professora, o longa "Intocáveis'', lançado em 2011, no qual, Cluzet contracenou com Omar Sy desperta muitas emoções no espectador.
Johanna ressalta ainda, que é apreciadora dos filmes de diretores como Olivier Nakache e Eric Toledano. Finaliza a entrevista dizendo que um filme que marcou sua infância e de seus primeiros alunos, foi "Rasta Rockett - Jamaica Abaixo de Zero" lançado em 1993. Nesse filme, um grupo de jamaicanos luta por uma competição no gelo. Superam desafios, como o respeito pelos demais participantes da competição. A garra e o bom humor do grupo jamaicano estão na memória da professora francesa.
Sobre o cinema brasileiro, diz não conhecer os filmes produzidos no país. Esteve no Brasil entre julho e agosto de 2013 e, em 2015, de agosto a setembro, mas não assistiu a nenhum filme brasileiro.
O melhor sempre é inventado

"O melhor é sempre inventado, o cinema pode captar a alma e o mundo a partir do momento que tem um ponto de vista".
A frase acima é de padre Henry Vendrines, especialista em cinema Alternativo, na Diocese de Avigon, na França.
O sacerdote tem 68 anos, atualmente reside em Entraigues-sur-la-Sorgue, França e exerce o ministério sacerdotal na Diocese de Avignon, localizada no centro leste da França. Foi nessa diocese, que ele adquiriu a formação em Teologia, Filosofia e também se especializou em Cinema Alternativo.
Padre Henry relata que esteve no cinema assistindo ao longa "Praça Pública" no último dia 20 de abril de 2017, ano em que essa entrevista foi realizada. Aprecia o cinema francês, pois, em sua visão há mais liberdade nas filmagens, na construção dos personagens e em seus diálogos. Ainda sobre o cinema nacional da França, ele afirma:
"A França faz cinema com verdade e audácia!"
Para o sacerdote francês, Gérard Depardieu, Mathieu Amalric, Isabelle Huppert, Sandrine Kiberlain e Emmanuelle Devos, são seus atores prediletos, porque possuem facilidade de serem autônomos e autênticos em seus personagens, sendo menos "imprevisíveis" que os demais profissionais. Entre seus diretores prediletos estão: Pialt, Desplechin, Truffaut, Resnais e Téchiné.
Em relação ao cinema americano, o especialista se detém aos trabalhos de Steven Spielberg. Segundo padre Henry há muita discrepância entre os investimentos que acontecem no cinema americano e em comparação ao francês. Mesmo que o governo invista no cinema do país europeu, não se equipara aos investimentos que Hollywood recebe para as produções e desenvolvimento dos longas americanos.
O especialista em cinema, ainda diz que torceu para que a produção brasileira "Aquarius", interpretada por Sônia Braga, levasse a "Palma de Ouro", em 2016, em Cannes, na França. A história do filme foi dirigida por Kleber Mendonça Filho, brasileiro.
Enquanto Hollywood produz filmes maiores, graças a Deus, na França o sistema cultural está empenhado em ajudar as produções menores", finaliza padre Henry
Peru

O Peru é um país, localizado na América Latina, e o idioma oficial é o espanhol. Dois expectadores peruanos relatam sobre o cinema do país:
"Os filmes peruanos são alegres, mas têm conteúdo com duplo sentido. Já os filmes americanos são sangrentos e têm muita morte", segundo Pilar Monsalve Villanueva, auxiliar de educação na cidade de Taraporto
Ainda sobre o cinema peruano,
"Em minha opinião, acredito que os peruanos deveriam ir mais ao cinema nacional, porém para isso acontecer é preciso que os diretores realizem um melhor trabalho que satisfaça as necessidades do espectador." Juan Carlos Gallardo Pinedo, engenheiro de sistemas em Moyobamba
Brasil

"Recentemente, o cinema nacional melhorou muito em questões técnicas. Acredito que ainda há arestas a serem aparadas na direção, atuação e roteiro. No roteiro, sinto que falta um detalhamento do processo, não no quesito de desenhar uma história, mas em fazer o argumento.
A fala é do cineasta e gestor cultural, David Ribeiro, de 44 anos, que reside no interior paulista, na cidade de São João da Boa Vista.
Ribeiro é cineasta e gestor cultural e ele ainda ressalta:
"Em relação ao cinema americano, temos visto nos últimos tempos livros transformados em obras cinematográficas e como bilheterias mundiais têm lucrado cada vez mais com essas sessões."
Sobre o cinema nacional, o cineasta afirma:
"O Brasil está perdendo uma grande chance de adaptação de livros em relação, por exemplo, à série 'Vaga-lume.' Poderíamos pensar em adaptar todo ano um clássico desta série infanto-juvenil que já passou pelo imaginário de muitas pessoas, podendo lançar um filme a cada início ou fim de ano. Já adaptaram o "Escaravelho do Diabo", há uns anos, mas numa versão sofrível, sem o menor tato. Como disse anteriormente, falta direção e roteiro nos filmes.
O Brasil novamente no Oscar

Após o Festival de Veneza neste ano, o filme "Ainda Estou Aqui" protagonizado por Fernanado Torres e Fernanda Montenegro ganhou notoriedade e foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil em 2025 no Oscar.
O longa que conta a história de Eunice Paiva concorreu com 11 filmes e foi escolhido por unanimidade para representar o país.
Estamos na torcida por essa produção e por toda a equipe envolvida.
“É uma obra-prima sobre o olhar de uma mulher, Eunice Paiva, e com atuações sublimes das duas Fernandas. É um momento histórico para nosso cinema. Não tenho dúvida que esse filme tem grandes chances de colocar o Brasil de novo entre os melhores do mundo”, declarou Bárbara Paz, atriz, cineasta e presidente da Comissão de Seleção da Academia Brasileira de Cinema em entrevista ao Adoro Cinema
Por Vanusa Reis, da Redação
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